Olá! Então que tal o feriado? Da minha parte
ficámos comemorados. Correr também é um acto de liberdade e ontem foram 7,5km.
Ás vezes esqueço-me de como é bom. Alapo no sofá, na cama... Hmm ventosas
malditas! "Ah é porque está frio" Sou uma fraca e depois perco estes
momentos de entrega deliciosos. Ao estudar fervorosamente o facebook neste dia
verifico que toda a gente da minha geração se manifesta acerca do assunto. "Obrigado
Capitães de Abril", "um dia histórico", "um dia
memorável". Respeito tudo isso, ou não porque a maioria até é para ficar
bem, mas não consigo ter qualquer tipo de intervenção porque não conheci outra
realidade. Nao sei como era viver antes do 25 de Abril, quer dizer só de boca,
de algumas leituras e dos trabalhos da escola. Fica difícil falar de uma coisa
que não se sentiu na pele... acho eu. Estamos a comemorar o dia da liberdade e
hoje as amarras são outras, e vão existir sempre outras e outras quando estas
se quebrarem. Será que hoje já ninguém vai preso por dizer o que pensa? Hmm se
eu fosse dizer tudo o que me apetece, ai mãe que eu sou tão aguçada. Mas
aprendi a ficar calada porque me roubaram a confiança e a coragem e isso não é
liberdade. Aliás como se diz e bem dito a nossa liberdade acaba quando começa a
dos outros, logo não há liberdade porque há um travão a ela. "Ah porque
temos que olhar primeiro para nós antes de criticar" Eu olho muito bem
para mim e sofro com as minhas falhas, olho eu e olha o resto. Se tenho
sempre alguém que se "preocupa" comigo porque é que eu n me posso preocupar
com os outros não é?? Percebem porque é que eu odeio estas promoções de
comportamentos pseudo-tolerantes por parte de algumas pessoas? Porque isso não
existe. Quem é tolerante de uma maneira ou de outra acaba por não ser livre não
é? Tolerar significa “aguentar”, “engolir”. Nós não toleramos as pessoas de quem
gostamos. Gosta-se e pronto. Mas eu acho muito bem a tolerância, a diplomacia
senão as convivênvias diárias tornar-se-iam um inferno (a Paz Podre dá muito
jeito), mas isso não é Liberdade. No entanto toda a gente quer procurar a
Liberdade. Então a tolerância ás vezes fica um bocado de parte. Está confuso?
Pois está porque a vida ela própria é confusa, eu sou confusa, porque é que o texto não havia de ser?
Deixo-vos com um outro texto de uma senhora, a mãe da Joãozinha, vocês não conhecem, mas que retrata aos olhos dela um bocadinho da importância desta data:
Recordar Abril
"Foi com grande entusiasmo que ouvi, pela primeira vez, a minha filha de
dez anos, falar da Revolução de Abril, sem dúvida devido ao facto de
tanto se falar nas comemorações do 20º aniversário daquela data.
Referia-se ela a uma revolução sem sangue, aos militares de Abril e ao
trabalhito de grupo que havia feito na escola sobre aquele tema.
Não pude conter as lágrimas e falei-lhe então
duma mãe – a minha - , destroçada pelo sofrimento de ter perdido em
Moçambique o seu mui querido filho. Morto em combate no dia 30 de Abril
de 1974, em Vila Paiva de Andrade – uma zona calma onde já fizera várias
missões mas que, após o conhecimento da Revolução de Abril havida em
Lisboa, virou em zona de combates renhidos. Num deles, o seu filho,
ferido mortalmente no baço, perdeu prematuramente a vida aos 24 anos de
idade.
Recordei a triste notícia, que nos foi dada pelo nosso
Reverendíssimo Padre Canário, o telegrama de condolências enviado pela
Forças Armadas, o caixão selado que nos entrou em casa, as cerimónias
fúnebres prestadas por pára-quedistas de Tancos, os gritos da minha mãe
dilacerados pela dor, o negro xaile e lenço que durante anos e anos lhe
cobriram o corpo, as lágrimas que lhe escorriam pela face e a revolta
que ela sentia ao ouvir aclamar os heróis de Abril. “E Ele, o seu filho,
o sangue do seu sangue, D’Ele ninguém falava,. Ele não era herói”.
Recordei também os Natais e Páscoas sem alegria e todo um período pós Abril, tingido de luto, lágrimas e amarguras…
Centenas de vezes imaginei o leito de morte do meu irmão, os seus
derradeiros momentos: estendido no mato, só desamparado, esvaído em
sangue, a separar-se lentamente da vida e a suplicar: «Mãe, ajude-me, eu
não quero morrer». Centenas de vezes roguei a Deus que esses dolorosos
momentos não tivessem sido como eu os pensei, que a morte lhe tivesse
sido súbita.
Recuo mais alguns anos atrás e revejo com saudade o
rapazinho inteligente e despreocupado que, assobiando avenida abaixo,
livros na mão, guarda-chuva debaixo do braço, se dirigia, juntamente
comigo para o colégio de Figueira. Esse rapazinho era o meu irmão – o
irmão que eu perdi em Abril – o tio que eu gostaria tanto, mas tanto que
a minha filha tivesse conhecido.
Ela compreende, agora, quão
doloroso é, para mim, recordar Abril, pois vivi Abril com sofrimento
vivo-o com sofrimento e vivê-lo-ei sempre com sofrimento.
Ao longo
de todos estes anos me tenho interrogado: porque é que o meu irmão
morreu? Porquê e para quê? Como ele, tantos outros!... E os mutilados da
Guerra? Foram defender a Pátria e afinal a Pátria que todos julgávamos
ser nossa, foi simplesmente dada de mão beijada, sem garantias, sem o
mínimo respeito por todos aqueles que derramaram o seu sangue.
Também me interrogo quantas das crianças que agora fizeram os seus
trabalhitos para a exposição de Abril – da escola primária, do ciclo e
da Secundária -, saberão que no cemitério da sua vila, se encontram
sepultados, lado a lado, três soldados que deram a vida em defesa da
Pátria?
Poucas, decerto, pois na sua cabecita apenas têm lugar os heróis da Revolução. Algum dia, alguém lhes terá falado deles?
Que homenagens lhes foram prestadas ao longo destes vinte anos? Eles têm sido simplesmente ignorados de todos e por todos.
Não quero terminar, sem contudo fazer um apelo: Queridas crianças,
aqueles três jovens, a quem prematuramente foi ceifada a vida, lá estão
no nosso cemitério e esperam a vossa visita. Lá de Cima eles
dirigem-vos uma prece: “Por favor não nos esqueçam, nós também fomos
Heróis”.
O meu muito obrigado ao Ecos da Marofa pela possibilidade
que me deu de publicar estas palavras, que não são senão a expressão
sincera do meu sentir. Com elas presto homenagem ao meu irmão e aos
outros dois soldados que, com ele, jazem."
Fuleca 10- 5 - 1994
Até já!